sexta-feira, 4 de julho de 2014

ENCONTRO COM A CONSCIÊNCIA





Este foi um dos primeiros 'romances' que escrevi. Em 2000 fui incumbido pelo amigo Aragaci Monteiro Chaves, então presidente da Câmara Muncipal de Tabuleiro do Norte, para diagramar e ilustrar um livro com as memórias de seu pai, Ramiro Monteiro Chaves, um pioneiro das estradas que rodou esse Brasil imenso de Norte a Sul, colecionando histórias. Ramiro, homem sensível e inteligente, admirador da poesia popular, amigo dos irmãos Batista, os cantadores mais famosos daquele tempo, tinha o hábito de anotar suas memórias num velho caderno que acabou se transformando em livro, por esforço de seu filho Aragaci.
Um dos contos mais interessantes é este "ENCONTRO COM A CONSCIÊNCIA" que resolvi transformar em cordel, procurando não me distanciar, emocionalmente, do roteiro traçado por Ramiro. O conto tem paralelos com uma obra de Simões Lopes Neto "TREZENTAS ONÇAS", porém o desfecho da obra de Ramiro é ainda mais surpreendente do que no conto de Simões. Creio que Ramiro, homem intuitivo, de poucas leituras. Talvez jamais tenha lido o escritor gaúcho.

TRECHOS

(...)


Nesse tempo se vivia
Com certa tranqüilidade
O povo de antigamente
Prezava a honestidade
Seu Leonel era um desses
Que não pensava em maldade

Mas foi a fatalidade
Que este dano originou
Chegando na oiticica
Os seus alforjes tirou
Num galho da dita árvore
Com cuidado pendurou.

Dentro de um dos alforjes
A sua fortuna estava
Mais de cem contos de réis
O fazendeiro levava
Com um lapso de memória 
Este pobre não contava.

Depois que almoçou bem
Armou a rede e dormiu
Quando bateu duas horas
Selou o burro e saiu
Lá os alforjes ficaram
E seu Leonel não viu.

Esqueceu sua fortuna
Talvez devido a soneira
No seu burro de valor
Galopou a tarde inteira
Coitado, sem se dar conta.
Da sua grande leseira.

Na casa de um compadre
Dormir ele pretendia
Como de fato chegou
Ao toque da Ave-Maria
Cumprimentou o compadre
Com afeto e alegria.

Mas veio o golpe fatal
Quando tirou a bagagem
Que não viu os seus alforjes
Pensou que fosse visagem
Junto com o seu compadre
Ganhou de novo a rodagem.

Porque a dita oiticica
Dali era bem distante
Coisa de umas sete léguas
E o fazendeiro errante
Seguia a todo galope
Nessa hora angustiante.

Chegando na oiticica
Nem sinal ele encontrou
Alforje, dinheiro e tudo.
Passou alguém e levou
Agora o leitor calcule
De que forma ele ficou!

(...)



SOBRE O LIVRO DE MEMÓRIAS DE RAMIRO -  Ramiro Monteiro Chaves, caminhoneiro natural de Tabuleiro do Norte-CE, percorreu os quatro cantos do país nas décadas de 50 a 70 do século passado. O lançamento aconteceu em 2003, por ocasião da Romaria dos Caminhoneiros, que ocorre anualmente nos dias 06 e 07 de setembro naquela cidade do Vale Jaguaribano.
O livro surpreende tanto pela originalidade quanto pela beleza e simplicidade de sua narrativa. Ramiro Monteiro, entre uma viagem e outra que fazia, ocupava-se em elaborar um diário “de bordo” contendo um resumo de suas andanças e os fatos mais pitorescos ocorridos em sua volta. Alguns  deles se enveredam pelo terreno humorístico. Certa feita, Ramiro e seu ajudante Zé de Omar chegaram numa cidade de Santa Catarina e hospedaram-se na vinícola de um italiano, esperando um carregamento de vinho para Sobral. Depois de um bate papo amistoso, o italiano lançou um desafio aos dois cearenses:

-        Quero ver quem é que come 100 gramas de queijo enquanto eu tomo uma cerveja de colher na copa deste prato.  Vamos ver quem termina primeiro?

Ramiro olhou para o ajudante e perguntou?

-        Você topa, Zé?

O Zé topou e não deu moleza. “Tacou a paêta pra riba”. Coisa de uns três minutos depois, levantou-se eufórico e escancarou a bocarra. Não havia mais um farelo do laticínio, enquanto o italiano padecia para terminar de ingerir a bebida. O certo é que o anfitrião deu-se por vencido e comentou que nunca havia sido vencido nessa aposta.
-        É nisso que dá apostar com cearense “esgalamido”... comentou rindo o caminhoneiro.



Um comentário:

  1. Um belo romance de cordel ENCONTRO COM A CONSCIÊNCIA, creio que com este romance, Arievaldo carimbou o passaporte como um dos melhores cordelista do país, não que ele não tenha escrito bons romances, é que nesse enredo, a mensagem da honestidade, ficou por demais bem passada. Abraços poeta.

    ResponderExcluir