quinta-feira, 19 de setembro de 2013

UM BRINDE À VIDA

 
Arievaldo Viana
 
Cheguei aos quarenta e seis
Anos de minha existência
Pleno de graça e vivência
Felicidade, talvez...
Por isso digo à vocês
Que nunca estive sozinho:
Dos filhos tenho o carinho
E os beijos da companheira
E ao longo da vida inteira
Tenho Deus no meu caminho.
 
Passei vereda de espinho
Galguei ladeira tirana
Muita casca de banana
Puseram no meu caminho
Porém eu sou como o vinho
Envelhecido na adega
Saio melhor da refrega
Venci com fé em Jesus
Quem busca a trilha da Luz
Não cai em qualquer bodega.
 
Mas minha alma sossega
Lembrando do que plantei
Das sementes que deixei
Nos momentos de entrega
Quando Deus fizer a sega
E ceifar os meus terrenos
Só tem pecados pequenos
Não sei quanto vou pagar
Talvez não queira cobrar
Muito de quem peca menos.
 
Peço sempre ao Nazareno
Pra me dar paz e saúde
Ter fé é uma virtude
O resto é café pequeno
Neste momento sereno
De ventos celestiais
Eu busco cada vez mais
Sair da trilha de espinho
E agradecer o carinho
Dos meus amigos leais.
 
Escrito entre 18 e 19 de setembro de 2013
 
 
 * * *

Relendo o livro Fulô do Mato, do poeta potiguar Renato Caldas (Editora Queima-Bucha) encontrei essa pérola: "Toda sodade é assim", que reproduzo a seguir...



TODA SODADE É ASSIM
 

Meu patrão, eu reconheço
E sei cuma é caro o preço
De uma arrescordação...
- O prazê da mocidade,
Pra se pagar com sodade...
Hai muita expiloração!
 

Às vez, a gente lucrou-se
De tão pouco, qui acabou-se
Sem o gosto do bom senti.
Depois dos tempos passados
Os gostos vão ser cobrados
Com juros – sempre a subi.
 

As contas sempre são véia,
Só é nova a churrutéia
Se as lembranças vem cobrá.
O freguês paga tudinho...
Mas, fica sempre um rabinho,
Pra conta continuá.
 

Um namoro atrás do muro,
Um passeio no escuro...
Uma bestêra quarqué.
Só sei qui na tramunhada,
Tem uma história embruiada
Na saia de uma muié.
 

Patrão, tô véio e cansado,
Arrescordo o meu passado...
Num sô um véio chorão.
Mas fico desmilinguido
Se dentro do meu sentido
Passeia a rescordação.
 

- A sodade é buliçosa.
É renitente. É teimosa,
Num tem acomodação...
Noite e dia trabaiando,
Bulindo, cascaviando,
No baú do coração.

 
Vê minha mãe remendando
Minha rôpa... Fuxicando...
Eu junto dela, no chão
Brincando c’uma boiada
De osso de panelada...
Sodade é isso, patrão!
 

Sodade é rescordação!
É dô... É satisfação.
É estrepe de mel de abeia,
É luz, qui a gente apagando
Fica pru dentro, queimando
O pavio da candeia.
 
 


RENATO CALDAS 

Por: Rostand Medeiros

 
O poeta Renato Caldas nasceu na cidade de Assú no dia 8 de outubro de 1902, sendo considerado o maior representante da poesia matuta no Rio Grande do Norte.

Ficou conhecido como o “poeta das melodias selvagens”, por seus versos apresentarem de maneira simple e espontânea, para alguns até mesmo rude, mas sempre original, aspectos do amor, da simplicidade da vida do homem do campo, da natureza sertaneja e da beleza feminina.

Homem expansivo, o poeta Renato Caldas era um grande boêmio e um apreciador das cantigas populares. A sua obra mais conhecida é o livro de poesias “Fulô do Mato”.
 

domingo, 15 de setembro de 2013

O RATO VEM E CARREGA

 
O poeta Paiva Neves publicou esta foto no facebook, retratando sua banca de folhetos no Dragão do Mar. Sem o rato, é claro. Tive a idéia de provocá-lo para um debate, do qual participaram também os poetas Rouxinol do Rinaré e Stélio Torquato:
 
O RATO VEM E CARREGA

(Reflexões sobre a Literatura de Cordel)

 

ARIEVALDO:

Quem vive da poesia
Tem que fazer uma entrega
Entregar seus sentimentos
Sem entregar o colega
Depois que fizer sonetos
Se agarre com seus folhetos
Senão o rato carrega!

 
PAIVA NEVES:

Manterei o olho vivo
Na banquinha do cordel,
Meu amigo menestrel
De versejar criativo
Paiva Neves é cativo
De sua obra e não nega,
Enfrenta qualquer refrega
De dez pés até tercetos
Se agarre com os folhetos
Se não o rato carrega

 
STÉLIO TORQUATO:

Para que, em absoluto,
Aniquile-se o perigo,
Importa, meu bom amigo,
Vigiar bem seu produto.
Assim, com olhar astuto,
Não se descuide, colega:
Enquanto um olho sossega,
Vela o outro os livretos.
E se agarre com os folhetos
Se não o rato carrega.

 
ARI

Aqui em casa já deu
Uma praga de cupim
Um inseto muito ruim
Por aqui apareceu
E na coleção comeu
Folhetos do meu colega
Depois de grandes refregas
Os matei com carburetos
Se agarre com os folhetos
Se não o rato carrega!
 

STÉLIO:

A tal praga de cupim
É realmente cruel:
Ingere livro, cordel
E tudo que é afim.
Voracidade assim
A rataria congrega.
Todo poeta “arrenega”...
Logo, o amigo dos versetos
Deve agarrar os folhetos
Ou vem o rato e carrega.

 
ARI

O rato não pesa um quilo
Mas é bicho interesseiro
Quando vê um folheteiro
Agarra logo o ‘João Grilo’
‘Malazartes’, seu pupilo
E ‘Cancão’, seu bom colega
Sendo gatuno ele agrega
Os leva como amuletos
Se agarre com seus folhetos
Senão o rato carrega!

 
STELIO

Cabras de todas as partes
Junto a Paiva estão,
Como João Grilo, Cancão
E o tal Pedro Malazartes.
Cuidado com suas artes,
Que a desatenção nos cega.
Quem em bons mares navega
Não tem no armário esqueletos.
Se agarre com seus folhetos
Se não o rato carrega!

 
ARI

Na cidade de Iguatu
Eu vendia os meus cordéis
Quando chegou, de revés
Um tremendo guabiru
Mesmo sem trazer tutu
Remexeu minha ‘bodega’
Tudo que vê, logo pega,
Saiu a custa de espetos!
Se agarre com seus folhetos
Se não o rato carrega.
 

STÉLIO

Encerro, dupla amada,
Minha ação nesta peleja,
Pois é mister que eu esteja
Em breve em plena estrada.
Volta pra sua morada
Este que a estrada pega.
A lição não desapega
Dos olhos míopes e pretos:
Se agarre com seus folhetos
Senão o rato carrega!

 
PAIVA

Eu cheguei nesse momento
Da cidade de Horizonte,
Na estrada tinha um monte
De animal, e um jumento
Lá daquele ajuntamento
Relinchou, me deu esbrega
Dizendo: vê se sossega
Rime lenha com gravetos
Se agarre com os folhetos
Se não o rato carrega.

 
ROUXINOL

Hoje o cordel tá na moda
Ta chovendo “cordelista”
Gente que “parou na pista”
Com uma poética “foda”
Vamos fazer uma poda
Dá nesses tais um “esbrega”
Senão todo esse mal pega
Nos vilarejos e guetos
Segurem bem seus folhetos
Senão o rato carrega!

 
ARI

É igual couro de pica
O papangu de quaresma
Esse poeta-abantesma
Que o verso desmetrifica
Se remenda, pior fica
Entretanto não sossega
Vai na praia, vai no brega
Berrando seus poemetos
Segurem bem seus folhetos
Senão o rato carrega!

 
ROUXINOL:

Esses ratos do cordel
Estão tendo muito espaço
Pondo os incautos no laço
Com um versejar infiel
Amarga igualmente o fel
E engana essa gente “cega”
Se essa moda ruim pega
Vou usar mil amuletos
Segurem bem seus folhetos
Senão o rato carrega!
 

ARI:

Tem poeta sem respaldo
Metido a pesquisador
Tem cordelista impostor
Que o verso não dá um caldo
Essa semente eu escaldo
E não guardo em minha adega
Porque joio em minha sega
Tem o valor dos gravetos
Segurem bem seus folhetos
Senão o diabo carrega!
 

* * *
 


O DIABO VEM E CARREGA
 

Esta aconteceu ali pras bandas dos sertões de Madalena, e é coisa bem recente. A precaução e o bom senso nos mandam omitir o nome dos personagens, mas o caso em si não pode passar em branco. Tem que ser relatado.
Certo matuto, filho de um abastado fazendeiro da região, velava o corpo do pai recém-falecido e se mostrava inconformado com os desígnios divinos, embora o mesmo já fosse de idade avançada. No auge de suas queixas, saiu-se com esta pérola: 

- Isso é que é... Tanta gente ruim nesse mundo e não morre. Já o papai, uma pessoa tão boa, podendo ainda estar vivo, aqui mais nós... O diabo vem e carrega!