sábado, 8 de outubro de 2011

Dia do Nordestino

Em sentido horário: Padre Cícero, Maria Bonita e Lampião, Xerém, Câmara Cascudo, Virgulino Ferreira, Leonardo Mota e Luiz Dantas Quezado, Dina Vaqueira, Babá, Mestre Azulão e Arievaldo Viana, Geraldo Amâncio, Luiz Gonzaga e Leandro Gomes de Barros. Ao centro, Patativa do Assaré (caricatura de Arievaldo) e Juvenal Galeno.

"O sertanejo (nordestino) é, antes de tudo, um forte", já escrevia o fluminense Euclides da Cunha no seu clássico Os Sertões. Neste sábado (08/10) é comemorado o Dia do Nordestino, sinal de uma resposta positiva aos inúmeros preconceitos que essa população sofre ainda no chamado Sul maravilha. Logo mais, a partir das 18h00, entrevista com Arievaldo Viana, Jacaré do Repente, Clementino Moura e Bel Lima no programa Sábado Alegre (Will Nogueira), na TV DIÁRIO, sobre a importância desta data.


Sobre o Dia do Nordestino


Dia 8 de outubro, embora a gente não tenha encontrado uma Lei Nacional oficilizando a homenagem, foi amplamente divulgado como o Dia do Nordestino.
As comemorações referentes à data ocuparam a 5ª posição no trending topics do Twitter. O assunto #nordestino gerou polêmicas porque teve muitos comentários preconceituosos. Confira aqui.
O Dia do Nordestino deveria ser um dia para dar um basta ao preconceito. É chocante descobrir que há até um site no ar que já reuniu 1255 assinaturas em repúdio a migração. Intolerância e falta de informação.
Dados demonstram a diminuição do fluxo migratório do Nordeste para outras regiões do Brasil. Além dos programas de distribuição de renda, que contribuem para gerar vínculo, entre 2002 e 2007, os números mostram que mais de 400 mil nordestinos voltaram para suas cidades de origem.
Os dados revelam que São Paulo, estado mais nordestino de todos, tornou-se hoje o maior “exportador” de volta dos mesmos – 61% dos que retornaram vieram de SP. A pesquisa é de Liedje Siqueira, professora do departamento de Economia da Universidade Federal da Paraíba – UFPB.
Uma das motivações é o crescimento da economia do Nordeste, acima da média nacional. Um bom exemplo está no setor da construção civil. Segundo reportagem jornal A Tarde, no Brasil, enquanto o setor de construção civil ampliou no período 16,6% as vagas formais, no Nordeste o crescimento atinge 30,5%. A situação tem gerado falta de mão-de-obra no setor em São Paulo.
Independente disso, o que a gente quer é aplaudir e comemorar o Dia do Nordestino e afirmar que somos todos brasileiros. Só para citar alguns: os personagens abaixo (e os do painel acima, também), por exemplo, deixaram há muito de serem ícones locais/regionais para se tornarem referência nacional, certo?


Fagner, Zé Ramalho, Ednardo, Luiz Gonzaga, Cego Aderaldo, Lucas Evangelista, Ariano Suassuna, Crispiniano Neto e Presidente Lula.


Alguma reclamação contra essa postagem,
favor se entender com o cidadão acima,
nosso ombusdman para assuntos dessa natureza.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

EVENTO ADIADO



Academia Brasileira de Literatura
de Cordel em Pernambuco.

O evento da ABLC em Caruaru, previsto para os próximos dias 14 e 15 de outubro, foi adiado para os dias 28 e 29 de outubro, por conta da greve dos correios, que atrasou a inscrição de vários participantes do concurso de Literatura de Cordel. A ABLC, Academia Brasileira de Literatura de Cordel, entidade cultural permanente, sediada no Rio de Janeiro, fundada em 1988, que abriga no seu quadro de Acadêmicos e Beneméritos, os mais ilustres e representativos escritores e admiradores desta genuína expressão literária da Língua Portuguesa, a convite da ACLC – Academia Caruaruense de Literatura de Cordel, realizarão na cidade Caruaru – PE os seguintes eventos:

- Dia 28 a partir das 20:00h: A ACLC realizará o 2º Concurso Nacional de Literatura de Cordel
- Dia 29 a partir das 16:00h: A ABLC realizará sua Plenária de outubro com a participação de vários membros do seu colegiado.
 
Essa matéria, contendo a programação, já foi postada anteriormente. É só conferir!

LEANDRO X BILAC

CALAR E PLUTÃO - Pontos de convergência na poesia de Leandro e Bilac



Em seu fotolog (http://fotolog.terra.com.br/marcohaurelio)  o poeta e folclorista Marco Haurélio traz à tona mais uma vez a famosa crônica de Carlos Drummond de Andrade, publicada em 1976 no Jornal do Brasil, na qual o poeta mineiro considera o paraibano Leandro Gomes de Barros superior a Olavo Bilac e verdadeiro merecedor do título de Principe dos Poetas Brasileiros. Numa observação muito lúcida, Marco Haurélio deixa claro que grandeza de Leandro não excede a de Bilac, ambos foram grandes, cada qual no seu estilo. Entretanto, o ponto mais interessante é o comparativo entre os poemas PLUTÃO  (de Bilac) e CALAR (O cachorro dos Mortos, de Leandro) onde o cão mostra a sua fidelidade aos donos acompanhando-os até depois da morte.
No caso de Plutão, de Olavo Bilac, o cão segue o seu dono Carlinhos até o cemitério e acaba morrendo sobre a sua tumba. No caso de Calar, o Cachorro dos Mortos, o animal é testemunha de um crime monstruoso, a morte de seus donos e só descansa quando consegue levar o criminoso à forca. Após a condenação do assassino, Calar vai ao cemitério "chorar" os seus mortos e lá termina os seus dias. Vejamos o texto de Marco Haurélio:


PLUTÃO, de Olavo Bilac



Negro, com os olhos em brasa,
Bom, fiel e brincalhão,
Era a alegria da casa
O corajoso Plutão.

Fortíssimo, ágil no salto,
Era o terror dos caminhos,
E duas vezes mais alto
Do que o seu dono Carlinhos.

Jamais à casa chegara
Nem a sombra de um ladrão;
Pois fazia medo a cara
Do destemido Plutão.

Dormia durante o dia,
Mas, quando a noite chegava,
Junto à porta se estendia,
Montando guarda ficava.

Porém Carlinhos, rolando
Com ele às tontas no chão,
Nunca saía chorando
Mordido pelo Plutão . . .

Plutão velava-lhe o sono,
Seguia-o quando acordado:
O seu pequenino dono
Era todo o seu cuidado.

Um dia caíu doente
Carlinhos . . . Junto ao colchão
Vivia constantemente
Triste e abatido, o Plutão.

Vieram muitos doutores,
Em vão. Toda a casa aflita,
Era uma casa de dores,
Era uma casa maldita.

Morreu Carlinhos . . . A um canto,
Gania e ladrava o cão;
E tinha os olhos em pranto,
Como um homem, o Plutão.

Depois, seguiu o menino,
Seguiu-o calado e sério;
Quis ter o mesmo destino:
Não saíu do cemitério.

Foram um dia à procura
Dele. E, esticado no chão,
Junto de uma sepultura,
Acharam morto o Plutão.

Nota: Tem sido repetido ad nauseam um texto de Carlos Drummond de Andrade, no qual o poeta mineiro louva Leandro Gomes de Barros em prejuízo de seu contemporâneo Olavo Bilac. Por falta de uma leitura crítica, a dicotomia contida no texto (sertão X cidade) tem recebido pouca ou nenhuma atenção. Daí o rótulo de poeta "sertanejo" colado na testa de Leandro e repetido em livros que enfocam a vida ou a obra do poeta. Sempre considerei o texto de Drummond maniqueísta e, por isso mesmo, tenho-me negado a me valer dele para exaltar as qualidades de Leandro, que falam por si mesmas.

O desprezo com que é tratado o grande poeta Olavo Bilac, autor de algumas das mais belas páginas da literatura nacional, também me incomoda. O poema acima, exaltando a fidelidade canina, pode ser usado em um estudo comparativo com o romance O Cachorro dos Mortos, de Leandro Gomes de Barros. Em comum a fidelidade canina, exaltada ainda na Balada do Desesperado, de Henri Murger, admiravelmente traduzida para o português por Castro Alves. Depois de tantos muros erguidos entre Leandro e Bilac, que, coincidentemente, nasceram e morreram no mesmo ano (1865-1918), é hora de aproximá-los, mostrando o que eles têm em comum, partindo do singelo poema de Bilac e do grande romance leandrino.

Num comentário posterior, MARCO HAURÉLIO conclui:

Na crônica de Drummond, do começo ao fim, a opção é pelo confronto. Vejamos um trecho:
"Um é Poeta erudito, produto de cultura urbana e burguesia média; o outro, planta sertaneja vicejando a margem do cangaço, da seca e da pobreza. Aquele tinha livros admirados nas rodas sociais, e os salões o recebia com flores. Este espalhava seus versos em folhetos de Cordel, de papel ordinário, com xilogravuras toscas, vendidos nas feiras a um público de alpercatas ou de pés no chão..."

Até onde sei, Leandro não utilizava xilogravuras toscas, o que já evidencia um equívoco no argumento que se vale da comparação. Mas, vamos a outro trecho:

"A poesia parnasiana de Bilac, bela e suntuosa, correspondia a uma zona limitada de bem estar social, bebia inspiração européia e, mesmo quando se debruçava sobre temas brasileiros, só era captada pela elite que comandava o sistema de poder político, econômico e mundano.

A de Leandro, pobre de ritmos, isenta de lavores musicais, sem apoio livresco, era a que tocava milhares de brasileiros humildes, ainda mais simples que o poeta, e necessitados de ver convertida e sublimada em canto a mesquinharia da vida."

A comparação agora se dá sob o prisma do estético. E, vale dizer, desta vez Leandro fica em desvantagem por conta de outro grave equívoco de Drummond. Sua poesia não era "pobre de ritmos, isenta de lavores musicais, sem apoio livresco". Uma das características da (boa) literatura de cordel é a riqueza rítmica, musical, e nesse contexto triunfam Leandro e vários outros autores. Afirmar que ele não tinha apoio livresco é cair no reducionismo dos que julgam o poeta "popular" alguém à margem da cultura oficial. Leandro, embora não tenha tido acesso a uma boa instrução formal, era um grande leitor. Em sua obra encontramos versões de contos das Mil e Uma Noites, de Livros do Povo (conforme definição de Teófilo Braga emulado por Câmara Cascudo) e, eté mesmo, de um clássico do nosso romantismo. Refiro-me a Noite na Taverna, admiravelmente relido em Meia-noite no Cabaré. Enfim, o texto de Drummond, na tentativa de fazer justiça, carrega nos estereótipos, principalmente quando uma análise atenta comprova que ele sabia menos de Leandro e de sua obra do que se alardeia.


O cachorro dos mortos

Leandro Gomes de Barros

Os nossos antepassados
Eram muito prevenidos
Diziam: matos têm olhos
E paredes tem ouvidos
Os crimes são descobertos
Por mais que sejam escondidos.


Em oitocentos e seis
Na província da Bahia
Distante da capital
três léguas ou menos seria
Sebastião de Oliveira
ali num canto vivia.
 
Ele, a mulher e duas filhas
E um filho já homem feito
O rapaz era empregado
E estudava direito
O velho não era rico
Mas vivia satisfeito.


(...)


Depois de terem morrido
Os senhores de Calar
O pobre cão toda noite
Ia para aquele lugar
Olhava para as três cruzes
Levava a noite a uivar.


Latia e fitava o céu
Que causava pena e dó
Via sangue no capim
Ele cobria com pó
Não queria ir para casa
Passava a noite ali só.
 
O velho Pedro dos Anjos
Vizinho de Sebastião
Achou que aquele animal
Merecia compaixão
Chamou-o para não vê-lo
Morrer sem ter remissão.
 
O velho Pedro caçava
Toda noite com Calar
Mas ele só ia à caça
Depois que ia ao lugar
Aos pés daquelas três cruzes
Não deixava de uivar.
 
Assim morreu o Calar
Ficou também descansado
Era um cão porém deixou
O nome imortalizado
Morreu depois de livrar
Quem já o tinha livrado.
 
Leitor não levantei falso
Escrevi o que se deu
Acreditem que este fato
Na Bahia aconteceu
Depois de lutar então
Rolou Calar sobre o chão
Onde seu senhor morreu.


quinta-feira, 6 de outubro de 2011

GLOSAS PERDIDAS

FRAGMENTOS POÉTICOS DE UM MENESTREL ITINERANTE



Poeta sei que sou, porque a genética não faz curvas (a geometria e a gramática, sim), conforme explicou-me pacientemente o saudoso professor Laurismundo Marreiro, após a ingestão de meio litro da famigerada "cabeça seca". Meu bisavô Francisco de Assis – o véi Fitico, fazia testamentos de Judas e compôs também, segundo algumas fontes, a Onça da mão torta e o Boi Vermelhinho, dois cordéis de grande repercussão no limiar do século XX, que circularam somente de forma manuscrita em cadernos de família. O velho era danado… Possuía uma pequena, porém ótima biblioteca com livros editados no Brasil, Portugal e até Alemanha.

Foi seminarista no famoso Seminário da Prainha, devoto de Padre Cícero Romão e protetor do Padre Azarias Sobreira, o melhor e mais fidedigno biógrafo do padre do Joaseiro. Quando Azarias era apenas um meninote, passou adoentado por Quixeramobim e recebeu sua acolhida durante meses, até recuperar-se e poder viajar para o Seminário, pois era esse o seu itinerário. Minha avó era leitora contumaz dos clássicos do cordel e papai um apaixonado por cantoria que não aventurou-se pelo mundo com uma viola às costas porque a família (meu avô, principalmente) não foi de acordo. Mas adquiriu um vasto cabedal de livros e folhetos que decorava com grande facilidade e lia ou declamava para os filhos sempre que tinha tempo. Dois de meus irmãos também sabem fazer versos com grande facilidade, são eles Klévisson e Itamar.

É por isso que me pego fazendo versos no meio da noite, quando bate a insônia, ou mesmo no interior dos ônibus quando viajo para o sertão. Raramente empreendo uma viagem sem uma caneta e um pedaço de papel, pois às vezes surge o esboço de um poema, o rascunho ainda bruto de um novo cordel que irei trabalhar em seguida, então faço as anotações básicas para retornar ao tema mais adiante. E, modéstia a parte, não tenho preguiça de poetar... diariamente faço dezenas de estrofes em blogs, e-mails para amigos e até propaganda de laxante, se for o caso.
Também gosto de ‘esquecer’ folhetos de cordéis nos transportes coletivos. Pode ser que uma criança ache, goste e se torne um bom leitor. É um trabalho meio quixotesco, de formiguinha, mas que me dá um grande prazer. Eis algumas produções esparsas que encontrei numa velha caderneta e resolvi passar a limpo:

A MÃE DA BEZERRA DE MENEZES


Um sábio muito profundo
Me disse umas quatro vezes
Que o bicho maior do mundo
A mais bonita das reses
Que nesse mundo se viu
Foi a vaca que pariu
A Bezerra de Meneses.


DA SÉRIE ‘É TUDO UMA COISA SÓ’


Ariano Suassuna
Cancão, João Grilo, Chicó,
Astúcias de Malazartes
João Leso e João Arigó,
Trupezupe e Canhotinho
Falando de Amarelinho
É tudo uma coisa só.


Tabajara, Janduhy,
Gê, Xavante e Pataxó
Kariris e Kanindés,
Botocudo e Carijó,
Tapebas e Tremembés
Krejês e Kantarurés
É tudo uma coisa só.


Ruela, boga e foquite
Anel de sola e bozó
Forébis, bichim que apita,
Carretel e fiofó
Roscófi, ânus, furico,
Buraco véi que faz bico
É tudo uma coisa só.


Macumba, feitiçaria,
Da “Nêga dum peito só”
As artes da pulutrica
O poder do Catimbó
Os segredos da magia
Raulzito já dizia
É tudo uma coisa só.

LUIZ GONZAGA E LAMPIÃO



Ilustração: JÔ OLIVEIRA

A figura lendária de Lampião fascinava Luiz Gonzaga desde a infância. Em meados da década de 1920, quando o Rei do Cangaço passou com seu bando pela Serra do Araripe rumo a Juazeiro do Norte, o futuro Rei do Baião desejou ardentemente conhecer o temível bandoleiro e, quem sabe, tocar algumas músicas para a cabroeira dançar. O velho Januário, mais sensato e comedido, resolveu ouvir os apelos de Santana e foi se refugiar no mato com a família, com medo dos cangaceiros. Outras famílias fizeram o mesmo.
Se estabeleceram sob uns pés de oiticica, fizeram um foguinho de trempe para cozinhar o feijão e esquentar o café, enquanto as coisas se acalmassem. O que aconteceu a seguir, eu descrevo em cordel, trechos de um livro que acabo de lançar pela coleção “Do Nordeste para o mundo”, coordenada por Arlene Holanda, intitulado “Luiz Gonzaga, o embaixador do sertão”. A obra, vencedora de um prêmio literário promovido pela Secult, acaba de ser lançada pela Editora Íris.

O EMBAIXADOR DO SERTÃO (trechos)

Certa feita Lampião
Passou lá no povoado
O povo da região
Ficou muito apavorado,
Seguia pra Juazeiro
O cangaceiro afamado.


As famílias se esconderam
Com medo de Lampião
Januário e sua gente
Arrumaram o matulão
E foram se esconder
Sob um pé de “sombrião”.


Passados então dois dias
O Gonzaga disse assim
Eu vou lá no povoado
Ver se a coisa está ruim
Eu vou e volto escondido
Podem confiar em mim.


Nisto o velho Januário
Que admirava a coragem
Lhe disse: – Vá com cuidado
Pela margem da rodagem
Observe o movimento
E faça breve viagem.


Luiz foi, observou,
Lampião tinha saído,
Ele que era travesso
Um molequinho enxerido
Voltou em grande carreira
Fazendo um grande alarido:


- Corre gente! Corre tudo
Que Lampião vem chegando!!!
Com mais de cinqüenta cabras
Já vem se aproximando!
Foi enorme a correria
E a meninada chorando.


A rir dessa confusão
Gonzaga então começou;
Mas o velho Januário
Daquilo desconfiou
E devido a brincadeira
Um castigo ele levou.


Foi uma surra e tanto, conforme o próprio Gonzaga declarou mais tarde ao escritor Sinval Sá, autor de “O sanfoneiro do Riacho da Brígida”, a primeira biografia do ‘Lua’, publicada em Fortaleza em 1966.
O CANGAÇO DITA A MODA – A roupa dos cangaceiros, aqueles chapéus de couro vistosos, cheios de medalhas e penduricalhos era o que mais fascinava o menino Gonzaga. Por isso, depois de consolidar sua música e projetar-se em todo o Brasil, Luiz Gonzaga cismou de se apresentar na Rádio Nacional vestido de cangaceiro, o que lhe valeu uma séria advertência do diretor Floriano Faissal. Advertência não, proibição sumária.
Mas Gonzaga era teimoso e continuou usando o seu chapéu de cangaceiro nas capas dos discos, nas fotos promocionais e em tudo que era show onde se apresentava. Sua persistência prevaleceu e o figurino incorporado por ele passou a ser imitado por quase todos os cantores do gênero que surgiram nas décadas de 1950 a 1970.

* * *

VER POSTAGEM COMPLETA NA COLUNA
MALA DA COBRA, no jornal da BESTA FUBANA:

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

SHAKESPEARE EM CORDEL

A AMBIÇÃO DE MACBETH
E A MALDADE FEMININA

Muitos enredos das maravilhosas peças teatrais de Shakespeare foram colhidos em cordéis vendidos nas feiras européias no século XVI. Eram enredos simples, escritos a maioria das vezes em prosa, que ganharam sangue, carne e nervos nas reflexões sobre a natureza humana tecidas por um dos mais geniais autores de todos os tempos. Daí, causa-me um certo espanto serem poucos os textos de Shakespeare que retornaram ao cordel feito no Brasil, acrescentados dos elementos que induzem às pessoas a refletirem sobre os maus passos que possam dar sob a influência de pensamentos destruidores. No caso de Macbeth, o enredo foi colhido por Shakespeare não em um cordel de feira, mas nas Crônicas de Inglaterra e Escócia, de Raphael Holinshed (1557), que situa a história real como acontecida no ano de 1040 em algum lugar obscuro e gelado no extremo norte da Grã-Bretanha. Bem poderia ter acontecido em qualquer outro lugar, como ao pé da Muralha da China, ou numa savana da África, ou numa megalópolis como São Paulo, ou nas nossas caatingas sertanejas, tendo os seus personagens os prenomes correntes aqui, porque é uma história universal, que diz respeito à toda humanidade.
Arievaldo Viana, um dos mais conhecidos autores contemporâneos de folhetos, com mais de 300 títulos publicados, na adaptação para o cordel de Macbeth, segue o enredo em versos, fazendo uso da métrica da redondilha e da rima fluente e natural bem ao gosto dos clássicos da literatura de cordel nordestina. Melhor ainda, extrapolando o corriqueiro no gênero, dá ênfase às reflexões chaves do texto original de Shakespeare, oferecendo ao leitor a oportunidade de avaliar sua postura diante da vida e das relações humanas, o que é oportuno no tempo em que vivemos, quando muitos estão no epicentro de uma crise de valores sem precedentes, quando em toda parte se ensina que a conquista do sucesso não tem medida de preço.
Belo, inteligível e esclarecedor, o cordel de Arievaldo ensina que, ao contrário do que diz o ditado, o Diabo é muito mais feio do que se pinta, sendo, portanto, um péssimo negócio mercanciar com ele, porque o sucesso obtido entregando-lhe a alma, será o terrível castigo do desavisado.
José Mapurunga
Dramaturgo e escritor

Nota do blog - A ambição de Macbeth foi lançado pela Editora Cortez, de São Paulo e foi selecionado pelo MEC no PNBE 2009.
 

terça-feira, 4 de outubro de 2011

NO DIA DE SÃO FRANCISCO

São Francisco de Canindé
 na Literatura de Cordel


Hoje, 04 de outubro, é dia de São Francisco das Chagas de Canindé. A religiosidade é talvez o filão que mais alimenta a poesia popular. A bíblia e as lendas piedosas tiveram traduções as mais variadas na Literatura de Cordel. E diversas também são as versões da eterna luta entre Deus e o Diabo. Esta tendência faz com que a literatura em torno de São Francisco seja proporcional à romaria em Canindé, comparando-se, por exemplo, a Juazeiro do Norte. Em 2002, Arievaldo Viana fez um resgate dessa esta trajetória do cordel em torno do "Pobrezinho de Assis/Canindé". Os muitos folhetos que circularam (e ainda circulam) tendo São Francisco como tema, abordam os mais diferentes aspectos – romarias, milagres, castigos, exemplos e até humor, caso do folheto dá conta de sua viagem ao Piauí. O livro resgata também a presença milagrosa do culto franciscano na Amazônia, a fuga do santo para a Itália em lombo de jumento e até uma visita imaginada por Gonzaga no "Encontro de São Francisco com o Padre Cícero em Canindé". Em suma, trata-se de um livro indispensável para os estudiosos da Literatura de Cordel. Vejamos a seguir, trechos do prefácio escrito pelo saudoso Ribamar Lopes e a apresentação de Audifax Rios:

"... São Francisco de Canindé na Literatura de Cordel é um ensaio bem estruturado, fundado na pesquisa e na análise cuidadosa, arrimadas, estas, não apenas na apreciação e no estudo dos textos coletados, mas também na observação do autor como testemunha de demonstrações desta realidade. O exaustivo trabalho de pesquisa e análise, a investigação sobre os motivos e origens dos textos referidos, a cuidadosa resenha sobre os autores e até a crítica bem propositada, espontânea e corajosa com que se acham pontilhados os comentários neste ensaio, conferem a Arievaldo Viana a autoridade de estudioso, que antes de se pretender ensaísta já era bastante conhecedor da Literatura de Cordel."
Ribamar Lopes


O CANTO DA OUTRA MECA

A religiosidade é talvez o filão que mais alimenta a poesia popular. A bíblia e as lendas piedosas tiveram traduções as mais variadas na Literatura de Cordel. E diversas também são as versões da eterna luta entre Deus e o Diabo.

Representantes do reino divino têm lugar de destaque nesta antologia sagrada: Padre Cícero, Frei Damião, Frei Vidal da Penha, Padre Ibiapina e São Francisco das Chagas. Mais precisamente, de Canindé. Que tem em Clóvis Pinto, Raimundo Marreiro, Gonzaga de Canindé, Batista de Sena, Lucas Evangelista, Aleuda Viana, Moisés Moura, alguns de seus biógrafos. Razão sobeja para Arievaldo Viana propor o “Ciclo Franciscano” na classificação da poesia do povo.

A literatura em torno de São Francisco é proporcional à romaria, comparando-se, por exemplo, a Juazeiro do Norte. Onde Padre Cícero ainda está vivo na memória de muitos e nascido em nosso sertão. São Francisco, importado por Canindé, com uma população de devotos numericamente inferior, não perde em importância histórica e social.

Arievaldo Viana, exaustivamente, resgata a trajetória do cordel em torno do Pobrezinho de Assis/Canindé, dá conta de sua viagem ao Piauí, sua presença milagrosa na Amazônia, sua fuga para a Itália em lombo de jumento. E até uma visita imaginada por Gonzaga no “Encontro de São Francisco com o Padre Cícero em Canindé”.

O autor busca em seu trabalho a presença do santo nos folhetos exemplares e de encantamento e até nas previsões astrológicas “ditadas” durante anos a João Carneiro Filho.

E não para aí a crescente produção de publicações alusivas à vida e aos milagres de São Francisco, de responsabilidade de uma nova geração de cordelistas canindeenses encabeçada por Klévisson Viana, Pedro Paulo Paulino, Natan Marreiro, Jota Batista, Gilvandias Mateus e o próprio autor deste valioso trabalho. Que queimou pestanas em nada menos de sessenta itens sobre o tema, entronizando São Francisco no altar dos milagreiros do cordel.

“São Francisco na Literatura de Cordel” vem fartamente ilustrado com capas de folhetos, na maioria contendo belas xilogravuras. Além disso Arievaldo Viana nos brinda com quatro textos integrais, dentre eles o clássico de 1952 “Um Grande Milagre de São Francisco do Canindé” de autoria de Manoel Camilo dos Santos.


Audifax Rios



segunda-feira, 3 de outubro de 2011

CANTORIA NO FACEBOOK


VERSOS DE CANHOTINHO INSPIRAM NOVAS GLOSAS

Hoje cedinho o poeta Barros Alves (Chico Barros de Mombaça) postou no seu Facebook uma glosa magistral do cantador paraibano Elísio Félix da Costa, o genial CANHOTINHO, falando de mágoas secretas... Aproveitei o ensejo para postar algumas glosas, que foram prontamente respondidas por Barros Alves. Vejamos:



Eu canto pra todo o mundo
Com minha vocação santa.
Cantando também se chora,
Chorando também se canta,
A minha mágoa secreta
Confessar não adianta.


(Elísio Félix da Costa, o Canhotinho, cantador paraibano, gênio da raça)

Parte superior do formulário


 GLOSAS:


Arievaldo Viana:

Confessar mágoa secreta
É expor uma sequela
Como diz o Gonzaguinha
“Por a bunda na janela”
Pra ser vista e apalpada...
É levar uma pancada
Bem no osso da canela.

Barros Alves
Confessar mágoa secreta
Não condiz com os aedos,
Jaz em nossos corações
Uns indecifráveis medos
E ali se aninham e maltratam
Esses malditos segredos...

           
Arievaldo Viana

Disse o BENTO DEZESSEIS
Inspirado nos conclaves
Para evitar falações
Fofoca, fuchico, entraves
Ou comentários patetas
Guarde as mágoas secretas
Debaixo de sete chaves.

Barros Alves:

Segredos são coisas graves
Não devem ser divulgados,
No fundo dos corações
Devem ficar bem guardados,
Não importa se de dores
Ou de perfume de flores
Doutros amores passados.


Arievaldo Viana:

Somente os atoleimados
Com os seus modos patetas
Poetas de pouca monta
Idiotas, mal estetas
Na sua tola vaidade
Trazem à publicidade
As suas mágoas secretas.


Quem foi Canhotinho

Elísio Félix da Costa, Canhotinho, nasceu em Taperoá, Estado da Paraíba. Desde cedo, percebeu que a brisa benfazeja da inspiração lhe mimava a alma, e, por isso, desfrutava, entre as inúmeras platéias do Nordeste, o conceito merecido. Sua morte, em 1965, trouxe uma lacuna impreenchível à poesia. O eminente mestre, Luís da Câmara Cascudo, em brilhante artigo, expressou sua tristeza, confessando sua felicidade em o haver conhecido.
Afirmam que era “redondamente” analfabeto, mas seus improvisos impressionavam pelo adocicado e singeleza. Quando emocionado, seu estro produzia verdadeiras obras geniais, que, por solicitação sua, eram escritas por pessoas mais íntimas.
(Antologia Linhares e Batista - 1976)

Canhotinho podia não ter a cultura livresca, a educação formal, mas era um profundo observador da escola da vida e talvez fosse, como Patativa do Assaré, um auto-didata sempre em busca de conhecimento. Nenhuma pessoa completamente analfabeta é capaz de produzir versos como estes:

OUTROS VERSOS DE CANHOTINHO



No Jornal da Besta Fubana, do Papa Berto I, encontramos estas estrofes da lavra do genial Canhotinho, glosando sobre o mote:


A vereda da vida é tão penosa,
Que me assombro com as curvas que ela faz!


Não indaguei de ninguém, ninguém me disse
O início dos meus primeiros anos,
Mas, nos passos dos tristes desenganos,
Vim parar na ladeira da velhice…
E, temendo que o mundo não me visse,
Procurei arrodeios infernais :
Mas o rio das águas imortais
Me mostrou a corrente caudalosa:
A vereda da vida é tão penosa,
Que me assombro com as curvas que ela faz!


Vou morrer caminhando, sem dar crença
Às misérias da vida sem proveito
- Estas cousas que o homem está sujeito:
O desgosto, o amor e a doença.
Sem temer, nesta vida, a negra ofensa
De espadas, pistolas e punhais…
A velhice maltrata muito mais;
Dentre todas, o! arma perigosa!
A vereda da vida é tão penosa
Que me assombro com as curvas que ela faz!


O desgosto do homem não se finda
Na tangente da vida tão extensa;
A esperança fracassa, e também, pensa
Que seu dono cansado está de vinda;
O desgosto fugiu, mas volta ainda;
A esperança morreu, não volta mais,
Pois a minha não vive, há tempo jaz,
Nas montanhas da alma cavernosa:
A vereda da vida é tão penosa,
Que me assombro com as curvas que ela faz!


Acho tarde demais para voltar,
Estou cansado  demais para seguir,
Os meus lábios se ocultam de sorrir,
Sinto lágrimas, não posso mais chorar;
Eu não posso partir, também ficar…
E assim, nem pra frente, nem pra trás:
Pra ficar, sacrifico a própria paz
Pra seguir, a viagem é perigosa…
A vereda da vida é tão penosa,
Que me assombro com as curvas que ela faz!


* * *

POR e-mail, o poeta GERALDO AMÂNCIO manda me dizer o seguinte:

"Oi poeta, gostei demais dessas estrofes do grande Canhotinho, que morreu quando eu tinha um ano de cantoria. Quando morava em Cajazeiras-PB, alguém me deu a cópia de uma poesia dele chamada remorso ou remorsos, cujas estrofes eu tinha de cor, mas o tempo perversamente rapou da minha memória. Espero que você e esse cabra que tem uma banda de Mombaça e outra do Cedro, a que presta é a última. Possam conseguir, é uma poesia que eu considero antológica."

Com um abraço Geraldo Amancio.

Por telefone, o grande repentista cearense disse que havia gostado demais das estrofes postadas por mim e Barros Alves, o cabra que tem uma banda de Cedro (madeira nobre) e outra de Mombaça.

ARIEVALDO VIANA

domingo, 2 de outubro de 2011

O DISCO DA SEMANA

Luiz Gonzaga – Chá cutuba


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Sandoval, que chá é esse que tu bebe? Assim começa a música que dá nome a esse disco, um belo xote de autoria de Humberto Teixeira. Sempre ao ouvir essa música me lembro do Trio Araripe, que há tempos sempre a trazia em seus shows.


CANINDÉ DEVE UMA HOMENAGEM A GONZAGA


Outra música maravilhosa, da autoria de Julinho e Luiz Bandeira é "SÃO FRANCISCO DO CANINDÉ", a segunda homenagem que o Rei do Baião presta à famosa romaria cearense. A primeira, como todos já imaginam, é o clássico "Estrada de Canindé", que fez em parceria com Humberto Teixeira. Curiosamente, a cidade de Canindé nunca rendeu uma homenagem a Luiz Gonzaga. Não tem sequer um beco ou ponta de rua com o seu nome. E o pior é que pessoas insensatas e desinformadas enxergam na letra de "Estrada de Canindé" um verdadeiro insulto ao progresso da terrinha: "automóve lá nem se sabe se é home ou se é muié, quem é rico anda em burrico, quem é pobre anda a pé..."  Tremenda ingratidão, pois o velho Lua até frequentava e animava a tradicional Missa dos Vaqueiros.
Até o projeto feito pelo Governo do Estado para "melhorar" a vida dos romeiros que fazem o trajeto a pé leva o nome de "CAMINHOS DE ASSIS" (cidade da Itália), quando deveria se chamar, naturalmente, "Estrada de Canindé". Se há uma coisa com a qual eu não me conformo é burrice oficializada!

Outro destaque do disco é a faixa “Onde tu tá neném” de autoria de Luiz Bandeira. Esse certamente é um dos arrasta-pés mais bonitos que já ouvi, com uma marcação bem para trás é perfeito para se dançar. Essa música fez sucesso quando em 1996 foi regravada por Elba Ramalho no disco Leão do Norte.

Luiz Gonzaga – Chá cutuba
RCA – 1977

01. Chá cutuba (Humberto Teixeira)
02. Baião de dois (Humberto Teixeira – Luiz Gonzaga)
03. Onde tu tá nenem (Luiz Bandeira)
04. Jesus sertanejo (Janduhi Finizola)
05. A morte do meu avô (Nelson Valença)
06. Menestrel do sol (Humberto Teixeira)
07. Chapéu de couro e gratidão (Luiz Gonzaga e Aguinaldo Batista)
08. Forró fungado (Dominguinhos – Anastácia)
09. São Francisco do Canindé (Julinho – Luiz Bandeira)
10. Cabocleando (Eduardo Casado)
11. Não é só a Paraíba que tem Zé (Luiz Gonzaga)
12. Tambaú (Severino Araujo – Silvino Lopes)
13. Karolina com K (Luiz Gonzaga)

Para baixar esse disco, clique aqui.