sábado, 4 de junho de 2011

O DISCO DA SEMANA


É mês de junho, é festa, é alegria! Nosso blog vai publicar, até o final do mês, quatro discos históricos com o cancioneiro junino.
Eis o primeiro da série...


CD – Luiz Gonzaga – São João Na Roça
Musicas
01 – Sao Joao Na Roca
02 – Foguera de Sao Joao
03 – Festa No Ceu
04 – Olha Pro Céu
05 – Noites Brasileiras
06 – Sao João Antigo
07 – Sao João No Arraiá
08 – O Passo da Rancheira
09 – A Danca da Moda
10 – Lenda de Sao Joao
11 – Mané e Zabé
12 – Sao João do Carneirinho
BAIXAR: Luiz Gonzaga

FONTE: http://forrotemquesercoladinho.wordpress.com/2009/11/01/cd-luiz-gonzaga-sao-joao-na-roca/

sexta-feira, 3 de junho de 2011

QUANDO OS BICHOS FALAVAM...

A FÁBULA E O GRACEJO

NA LITERATURA DE CORDEL

Humor e moralismo no sertão nordestino

 


Por: ARIEVALDO VIANA

 

A literatura popular em versos, também chamada “de cordel” possui uma variedade de temas e estilos que expressa, através da ótica popular, diversas escolas da Literatura Erudita, inclusive a Fábula, cujos expoentes maiores são Esopo e La Fontaine. Atribuir qualidades e defeitos do ser humano a animais que falam, inserindo nisso um cunho moral, é uma prática que os poetas populares desenvolvem desde os tempos de Leandro Gomes de Barros (1864 – 1918), pioneiro na publicação de folhetos rimados no Nordeste. São de Leandro, por exemplo, folhetos como “Casamento e divórcio da Lagartixa”,  onde uma família de lacertílios (calangos, tejos, teús e lagartos afins) representam os dissabores de um casamento mal-sucedido. A lagartixa, personagem central do drama, troca o calango seu marido por um papa-vento e os dois terminam-se batendo num duelo, de sangrento desfecho, enquanto a adúltera sorri da desgraça de ambos. O cunho moral da história fica por conta do trágico final destinado a leviana lagartixa, que é devorada por um gato, enquanto deleitava-se com as desgraças ocorridas durante o duelo. “Isto resulta à pessoa/ que sorri do mal alheio”, garante Leandro ao final da narrativa.

José Pacheco da Rocha, poeta pernambucano de Correntes*, nascido na última década do século XIX, foi o mais fiel seguidor de Leandro no que diz respeito à irreverência e jocosidade na elaboração de folhetos de “bichos que falam”. Outro grande expoente dessa escola foi o piauiense Firmino Teixeira do Amaral, autor de “As aventuras do Porco Embriagado” , um folheto que fala de alcoolismo, violência e exclusão social no Reino da Bicharada. De José Pacheco, existem duas obras primas nessa área – “A festa dos cachorros” e “A intriga do Cachorro com o Gato”. No primeiro folheto, os melhores momentos são o namoro do Cachorro com a sua prima Cadela e a carta por ele enviada logo após o primeiro encontro. Eis algumas estrofes cuidadosamente pinçadas para ilustração deste artigo;

“Havia um cachorro velho
Chefe da localidade
Os outros lhe veneravam
Com respeitabilidade
Tanto porque era o chefe
Como pela sua idade

Tinha uma filha bonita
Trabalhava em seu socorro
Dessas que se diz assim:
Por aquela eu mato e morro
Capaz de embelezar
O coração de um cachorro

Certo dia um primo dela
Vindo de uma batucada
Passando pelo terreiro
Ela estava acocorada
Catando pulga e matando
No batente da calçada”


A empatia entre os dois é imediata. A flecha de Cupido acaba provocando um “namoro pesado”, no dizer de José Pacheco. O melhor de tudo é a carta que o Cachorro escreve, assim que chega em sua casa...

O forró dos bichos (xilogravura de J. Borges)


“E palestraram bastante
Cada qual mais satisfeito
Foi um namoro pesado
Porém com muito respeito
Mas para se apartarem
Quase que não tinha jeito.

Chegou em casa escreveu:
‘Prima do meu coração,
eu não posso deslembrar-me
de tua linda feição,
portanto venho pedir-te
tua delicada mão.

Recomendações à todos,
Um abraço em minha tia
Sem mas assunto desculpe
A ruim caligrafia
Deste teu primo Cachorro,
Etcetera & companhia.’

Depois fez no envelope
Um ramalhete de flor
Ele mesmo foi levar
Pra dar mais prova de amor
E mesmo é muito custoso
Cachorro ter portador.”


Na História da Rã Ganhadeira, de Severino Barbosa Torres, poeta cearense radicado em São Luís do Maranhão, observa-se diversos trocadilhos com uma palavra considerada imoral pelos sertanejos de antigamente. O termo “arreganhar”:

“...Um camarada contou-me
que morava na Bahia,
num lugar muito esquisito
que só ele residia,
e o vizinho que tinha
era a camarada Jia.

A Jia era casada
Com o Cururu Tei-Tei.
A Jia era a rainha
E o Cururu era o rei,
O rapaz contou-me isto,
Eu também não duvidei.

Então, da Jia nasceu,
Às seis horas da manhã,
Uma filha com as faces
Coradas como a romã
Como era muito linda
Lhe deram o nome de Rã.

Esse nome,  Cururu Tei-Tei, ainda hoje é utilizado como apelido para pessoas balofas e mal amanhadas. Ele e a esposa dona Jia combinaram levar a filha para capital, a fim de aprender “três artes especiais: ler, escrever e coser.”

Porém botam a Rã
Numa escola atrasada,
A Rã passou cinco anos
Nunca pôde aprender nada,
Foi quando a rainha Jia
Com isto ficou danada.

Porém a Rã aprendeu
Lá com outra camarada
Todo sistema de jogo
Comprou logo uma cartada
Disse: - Agora vou jogar,
E não me faltará nada!

Montou uma casa de jogo
De frente assim com a feira
Começou a ganhar todo
Dinheiro da cabroeira
Por isso lhe apelidaram
Por Dona   Ganhadeira.

O propósito do poeta é claro: trata-se de um trocadilho infame que lembra a palavra “arreganhadeira”, ou seja, mulher sem pudor, que gosta de sentar-se escarrapachada, mostrando as partes íntimas. Segundo o dicionário, é o ato de escancarar a boca e mostrar os dentes, mas aqui no Nordeste, sempre teve outro sentido. Na época que o folheto foi escrito, mais ou menos meados do século XX, isso era um escândalo para as populações simples do interior nordestino. Em muitas casas, o ‘verso’ da Rã entrou no Índex maldito.

O folheto prossegue no mesmo tom. Daí por diante, faz diversos trocadilhos com a palavra:

“Parece que dona Rã
um catimbó inventava,
gente pra jogar com ela
de toda parte chegava
porém só voltava liso,
o dinheiro, a Rã ganhava.

Dona Rã chamava o povo
Para com ela jogar
E os outros, como perus
Entravam para espiar,
Se encostavam na parede
Só pra ver a Rã ganhar...”


* Segundo alguns pesquisadores, José Pacheco era natural de Porto Calvo-AL
(Arievaldo Viana - in "A MALA DA COBRA", livro escrito em 2003)




quinta-feira, 2 de junho de 2011

FOLIA NORDESTINA


SINÔNIMO DE ALEGRIA!

Chegou o mês de junho! Mês que o povo Nordestino costuma chamar também de 'fins d'água', período em que os primeiros frutos da safra são colhidos. Época em que se realizam as famosas FESTAS DO MILHO. Luiz Gonzaga, nosso cancioneiro maior, dedicou boa parte de seu repertório à louvação dos três santos festejados nesse período: Santo Antonio, São João e São Pedro. Aliás, as festas juninas continuam sendo o maior suporte do forró tradicional aqui no Nordeste. As quadrilhas andam meio descaracterizadas, as bandas de forró estão fazendo uma música descaracterizada, mas a alegria permanece. Mês de junho é motivo de alegria!

A partir de hoje, nosso blog vai publicar a biografia dos tres santos juninos amados pelo povo Nordestino. Comecemos, pois, com Santo Antônio:

Santo Antônio de Pádua
(Também conhecido como Santo Antônio de Lisboa)



Santo Antônio de Pádua, Doutor da Igreja, um franciscano chamado de "O Martelo dos Hereges" e o "Trabalhador Maravilhoso" e a "Arte Viva do Covenant".

Ele nasceu Fernando Martin de Bulhom, em 15 de agosto 1195 em Lisboa, Portugal filho de um cavalheiro corte de do Rei Alfonso II, Martinho Bulhões e Maria Teresa Taveira. Em 1212 ele tornou-se um membro regular da Ordem de Santo Agostinho e foi educado em Coimbra em 1220. A chegada das relíquias de cinco mártires franciscanos de Marrocos em 1221 levou Santo Antônio a entrar para a ordem dos franciscanos. Ele foi numa missão a Marrocos e ao voltar foi designado para atender a Capítulo Geral da Ordem de Assis em 1221. Tronando-se conhecido como um grande pregador com grande zelo e eloquência, Santo Antônio viajou pela Itália pela sua Ordem e assumiu varias posições administrativas.
De 1222 a 1224 Santo Antônio pregou contra os Catares, de 1224 a 1227 ele confrontou com os hereges Albigensianos .O Papa Gregório IX , deu a ele ordem para por de lado todas os seus outros deveres, e continuar a sua pregação. Santo Antônio se fixou em Pádua, reformou a cidade, acabou com a prisão de devedores e ajudou os pobres. Em 1231 ele sofreu de exaustão e foi se recuperar em Campossanpietro. No seu retorno a Pádua ele não agüentou e acabou morrendo no convento das "Clarissas Pobres" em Arcella, em 13 de junho de 1231. Santo Antônio foi chamado o "Trabalhador Maravilha" pelos seus muitos milagres. Ele pregava para multidões na chuva e a sua audiência ficava seca a despeito do forte aguaceiro. Ele foi saudado como um traumatologista após ter curado a perna de um homem que tinha sido seccionada e fez outro homem voltar a vida, para testemunhar em uma audiência de assassinato onde um inocente estava sendo considerado culpado.
Perto da morte de S. António aparece-lhe o Menino Jesus na cela de Camposampiero.

Santo Antônio é o padroeiro de Pádua, de Lisboa, de Split, de Paderborn, de Hil-desheim, dos casais é um santo popular para encontrar itens perdidos. No Brasil é o santo casamenteiro e é invocado pelas moças solteiras para encontrar um noivo. O "dia dos namorados" no Brasil é celebrado na véspera de sua festa ou seja no dia 12 de junho. Faleceu no dia 13-06-1231 em Arcella, nos arredores  de Pádua. Foi canonizado em 30-05-1232 pelo Papa Gregório IX em Espoleto (Úmbria), Itália.

Foi indicado Doutor da Igreja em 16-01-1946 por Pio XII com o título de "Doutor Evangélico".
Na arte litúrgica da igreja ele é mostrado como um franciscano e as vezes com o Menino Jesus.
O milagre dos peixes:
Santo António faz um sermão aos peixes, no rio Marecchia porque os homens de Rimini não o querem ouvir. Ao ver isto eles arrependem-se e dirigem-se para junto do santo, ouvindo o sermão.
O milagre do jumento:
Um herege não acreditava que Cristo de fato estava presente na Eucaristia. Santo António diz que o jumento, que o homem tinha, era menos teimoso e que seria mais fácil convencê-lo. Ao ver a hóstia o jumento ajoelha-se.

Em 1236 fizeram o traslado do corpo do Santo. Foi possível encontrar a língua do Santo perfeitamente rosada no corpo já em decomposição. A língua ficou como relíquia lembrando que aquela língua anunciou a palavra de Deus ao mundo.

O santo casamenteiro:

Existe três versões:

1) Entre os Bascos, Santo Antonio  é considerado o santo que faz o “matchmaker” ou seja encontra os iguais ou seja santo que casa coisas iguais ou santo “casamenteiro”.
Ele seria o santo que fazia o sagrado encontro de duas pessoas ou o santo casamenteiro.  De acordo com o  costume relatado pelo  Rev. Francis X. Weiser  publicado em 1.958, as garotas Bascas faziam uma peregrinação no templo de Santo Antonio em Durango, no dia de sua festa, e oravam para ele  encontrar para elas, um “bom rapaz”.

Vale dizer que os rapazes bascos faziam a mesma jornada e ficavam do lado de fora do templo até as moças  terminarem as suas preces  e aí eles as tiravam para dançar. Weiser especula tambem que esta associação entre noivado e casamento  é inspirado porque temos varias imagens de Santo Antonio carregando um  “bebê ” (Menino Jesus) nos braços. 

2)Outra versão, muito contada pelos antigos, diz que uma jovem depois de fazer uma novena à Santo Antônio e não tendo encontrado noivo, zangada, jogou a estátua de Santo Antônio que tinha em seu oratório, pela janela e a mesma caiu na cabeça de um caixeiro-viajante que passava. Este gritou e ela  foi correndo ajuda-lo e levou-o para dentro e tratou de seu ferimento. Ele se apaixonou por ela e se casaram.
3)Conta-se que uma donzela não dispunha do dote para casar-se e, confiante, recorreu a Santo Antônio. Das mãos da imagem do Santo teria caído um papel com um recado a um prestamista (pessoa que empresta dinheiro a juros) da cidade, pedindo-lhe que entregasse à moça as moedas de prata correspondentes ao peso do papel. O prestamista obedeceu e pôs o papel num dos pratos da balança, colocando no outros as moedas. Os pratos só se equilibraram quando havia moedas suficiente para pagar o dote."




FESTA DE SANTO ANTÔNIO E MISSA DO VAQUEIRO
EM CARIDADE-CE

No Sertão Central, a festa mais popular acontece no município de Caridade, de 01  a 13 de junho, quando é celebrada a sua trezena com muitas atrações como a tradicional MISSA DO VAQUEIRO (já em sua 13ª edição), que acontecerá na próxima sexta-feira, 03 de junho, na Fazenda Ideal, de propriedade do prefeito Júnior Tavares.

Foto: Francisco Estrela

quarta-feira, 1 de junho de 2011

RARIDADE!

 
Santo Antônio na Literatura de Cordel

Porque Santo Antonio é considerado o Santo Casamenteiro? Esse antigo folheto de João Melchíades Ferreira, o Cantor da Borborema, poeta nascido em 1869 e falecido em 1933 conta uma antiga lenda corrente em Portugal de um milagre atribuído a Santo Antonio que fez uma pobre órfã casar-se com o homem mais rico de Lisboa. Vejamos, a seguir, os principais trechos deste poema:


AS QUATRO ORFÃS DE PORTUGAL
Autor: João Melchíades Ferreira da Silva


Na capital de Lisboa
Havia uma união                                                              
De quatro donzelas órfãs
Sem pai, sem mãe, sem irmão
Servindo a moça mais velha
Como mãe de criação

(...)

A irmã mais velha morre e as outras, ainda menores, ficam desamparadas. Maria, a mais jovem, não agüentando mais a fome sai vagando pelas ruas, disposta a prostituir-se para arranjar o que comer:

Maria arrumou a roupa
E deixou anoitecer
O pedido das irmãs
Em nada quis atender
Se despediu com a noite
Dizendo vou me vender

A noite era muito escura
Porém a moça seguia
Num oitão de uma igreja
Um vulto lhe aparecia
Esse vulto era de um padre
Pegou na mão de Maria

O padre disse: filhinha
A essa hora onde vai?
O que é que tu procura
Que daqui não passa mais
Volta que tuas irmãs
 Ficaram chorando para trás

Padre é porque sou pobre
Uma órfã desvalida
Abandonei minhas manas
Para salvar minha vida
To atrás de uma pessoa
Que me dê roupa e comida

O padre disse: filhinha
Tu precisa é caridade
Então me diz se conhece
Na alta sociedade
Qual é o homem solteiro
Mais rico dessa cidade

Tem o Coronel Paulino
Que é um homem solteiro
Negociante na praça
Capitalista e banqueiro
O governo deve a ele
Grande soma de dinheiro

O padre tirou um lápis
Num papel pôs a escrever
Dirigindo o bilhetinho
De acordo a seu saber
Para o Coronel Paulino
Essa questão resolver

(...)

Quando o dia amanheceu
Maria no mesmo tino
Foi levar um bilhetinho
Ao coronel Paulino
Para saber da resposta
Qual seria o seu destino

No armazém de Paulino
Estava negociando
Uma sessão dos mais ricos
Sobre a negócio tratando
E viram aquela mocinha
Que vinha se aproximando

Eles se combinaram
Cada qual o mais ladino
Maria interrogou-se
Com o seu olhar feminino
Qual é aqui dos senhores
O grande coronel Paulino?

O coronel levantou-se
Chegou-se para Maria
Pronto, sou eu seu criado
Enquanto a moça dizia:
Trago esse bilhetinho
Para vossa senhoria

Dizia assim o bilhete:
 - Meu honrado coronel
Dê para essa moçinha
O valor desse papel
Depois pese na balança
Até chegar ao fiel...”

O coronel ainda riu-se
E disse: hora muito bem
Isto não é precisão
Que se ocupe ninguém
O peso desse bilhete
Só pesa igual um vintém

Ele pegou o bilhetinho
Pois na balança um tostão
E foi botando dinheiro
Como quem pesa algodão
E a concha do bilhetinho
Só pesava para o chão

O coronel botou todo
O ouro que possuía
Botou dinheiro em papel
Que a balança não cabia
E a concha do bilhetinho
Mais pesada não subia    

Ele arredou o dinheiro
Pesou-se com o papel
A concha do bilhetinho
Subiu e mostrou fiel
Era a honra da donzela
Que valia o coronel

O coronel disse: moça
Você é misteriosa
Qual é a sua oração
Na vida religiosa?
Este bilhete foi feito
Por uma mão milagrosa

Coronel, a minha mãe
De criação me ensinava
Santo Antonio é meu padrinho
A ele me entregava
Tomava a benção o santo
De noite quando rezava
          
Coronel essa noite
De casa vinha saindo
No oitão de uma igreja
Um vulto desconhecido
Mandou esse bilhetinho
Conforme vem dirigido

O coronel baixou a vista
E disse quando pensou
Então o bilhete foi
Santo Antonio quem mandou
Pra você casar comigo
Como o santo me apontou

Você é uma mocinha
Que vive em grande pobreza
A sua honra pesou
Mais do que minha riqueza
No dia que nos casar
Sou feliz por natureza

Desde ai o coronel
Tomou conta de Maria
Convidou os seus amigos
Casaram no outro dia
Mandou ver as duas órfãs
Para a sua companhia

FIM

* O exemplar que tenho deste folheto me foi presentado em Brasília, no dia 01 de setembro de 2008, por dona Rita de Oliveira Mota (Rita Salgadeira), cunhada do poeta Cícero Vieira da Silva, o "Mocó". D. Rita foi cozinheira do ex-presidente Costa e Silva e disse-me que o mesmo "morreu de desgosto". Eu perguntei então: - Desgosto de quê, dona Rita? E ela: "Chifre!"
Se isso é verdade eu não sei... apenas estou repassando a história pelo preço que colhi... Na certa o general não era devoto de Santo Antônio.

terça-feira, 31 de maio de 2011

"TRISTE PARTIDA" foi motivo de POLÊMICA

João Alexandre Sobrinho: inventou de tocar e improvisar versos aos dezenove anos e teve uma contenda com Patativa do Assaré por causa de “Triste Partida”

Muita gente desconhece esse fato... Você sabia que “Triste Partida”, obra-prima de Patativa do Assaré, tem um co-autor?
A famosa canção do poeta de Assaré, uma das preferidas de Luiz Gonzaga, pode ter tido a colaboração de um cantador que foi parceiro e amigo de Patativa: JOÃO ALEXANDRE SOBRINHO. É o que veremos nesse artigo publicado pelo professor Gilmar de Carvalho, no Diário do Nordeste, em maio de 2003:

Cantoria

João Alexandre Sobrinho, voz e viola


Publicado no Caderno 3 (Diário do Nordeste) em 12 de maio de 2003

Fotos: FRANCISCO SOUSA/ÁLBUM DE FAMÍLIA

A casa da Avenida Paraíba, esquina com a rua José Paracampos, bairro do Romeirão, em Juazeiro do Norte, esconde João Alexandre Sobrinho, um dos grandes da arte da cantoria, de todos os tempos

No terreno adquirido nos anos 70, quando a cidade começara a se expandir nesta direção (depois da inauguração do estádio), construiu uma vila, cujo aluguel complementa uma aposentadoria insatisfatória.

O pé de jambo do jardim foi cortado por conta dos meninos, em busca dos frutos maduros, que não o deixavam em paz.

A cadela Tila, oportunista, ameaça sair para a calçada. A varanda é abafada, mas ele abre a porta da sala, com móveis estofados, o televisor, fotos da família, inclusive a dele, aos trinta e poucos anos, empunhando a viola.

Mora com a cunhada Priscila, e a filha Matilde. A primeira visita foi marcada pelo telefone. Depois, os contatos se tornaram prazerosos, e os labirintos da casa foram se abrindo, inclusive um quintal, com um frondoso sapoti, onde ele se refugia do ruído da rua.

Abatido pela morte da esposa Francisca, quatro anos atrás, o cantador revolve o baú das relembranças, o que reforça sua importância de mestre da arte da palavra cantada, que ele soube, pelo que ficou na memória da comunidade, trabalhar como poucos.



O CONTEXTO

Em 1928, Lampião espalhava pânico por onde passava, e deixava o Nordeste em polvorosa. As narrativas orais ampliavam as façanhas do bando rebelde, fixados pela literatura de folhetos, que depois ganharam as páginas do romance social, e os planos seqüências do cinema novo.

Foi neste clima de conflagração que os Alexandre decidiram sair de Ouro Branco, no município alagoano de Santana de Ipanema, para buscar refúgio na terra do Padre Cícero.

Na bagagem, veio o menino João, nascido em 1920, na localidade de Olho d´ Água do Chicão. O pai, Tito Alexandre da Silva, que sempre teve preguiça de trabalhar na roça, além de sapateiro, era informante da polícia civil, e temia ser agredido pelo cangaço.

Juazeiro significava, também, a expectativa de uma vida nova, para os romeiros que chegavam à Nova Jerusalém sertaneja, onde Padre Cícero os acolhia, dava a sua bênção, e ainda sugeria uma ocupação.

Os Alexandre foram morar na rua do Limoeiro, no arisco, proximidades da Estação Ferroviária, e o chefe da família foi trabalhar como pedreiro.

A mulher, Felismina Maria da Conceição, impregnada pela cultura tradicional, rimava, embolava, e cantava coco de roda, tocando pandeiro, isto nas Alagoas; no Cariri, contava histórias para um menino deslumbrado com o que ouvia. Ele tem até verso dela, que participou, com umas estrofes, de uma toada de vaquejada que ele compôs: “Adeus serra de Caiçara / serrote da Carié / nós vamos pra Moxotó / pra casa de Manoé / quem pagou o caminhão / foi meu filho Ezequié, ê, ê!.

João teve apenas três meses e poucos dias de banco de escola, saindo de lá, quando já dominava a carta de ABC, na quarta lição do Segundo Livro, de Felisberto de Carvalho, depois da surra de palmatória que levou da professora e madrinha, porque estaria “mangando” de um colega. O pai, indignado, não deixou que ele voltasse à sala de aulas. Ainda magoado, tantos anos depois, diz que ela fez isso “de malvada”.

Os pais estavam no segundo casamento. A mãe teve cinco filhos, da primeira união, e cinco da segunda: Manuel, barbeiro em Arapiraca (AL); Alexandre Tito, artista plástico, na mesma cidade; João Tito, que morreu criança; Emília, morta aos 36 anos, além de João Alexandre. O pai, viúvo, não tivera filhos do primeiro enlace.

Traziam no matulão, esperança, e a certeza da paz. Lampião nunca atacaria a cidade do santo do povo, onde estivera, dois anos antes, para receber a patente de capitão, e ser cooptado para combater a Coluna Prestes, grupo de militares que percorria o país, para conhecê-lo e combater, politicamente, os privilégios das oligarquias.

INICIAÇÃO

O jovem João Alexandre “inventou” de tocar e improvisar versos aos dezenove anos. A mãe, costureira, o incentivou. Foi quem tirou os cinco mil réis do bolso para a compra da primeira viola, a um vizinho que chegara de São Paulo, e queria se desfazer do instrumento que trouxera.

João Alexandre não tinha um tostão, e nem sabia tocar, “era só vontade”, admite, começava o “tirinete”, ele faz o balanço hoje, e “foi o dinheiro mais abençoado que ganhei em toda a minha vida”.

Quem não gostou muito foi o pai, que fechou a cara, e disse, categórico, que todo cantador era irresponsável e cachaceiro, mas terminou por aceitar a decisão do filho. “Não gostava, mas não empatou”. Os parceiros apareciam, em grande número, mas o “velho” tinha o cuidado de evitar que o filho fizesse dupla com cantadores boêmios.

A família ficou num vaivém, entre o Ceará e as Alagoas, depois do desmantelamento do cangaço, com a morte de Lampião e Maria Bonita, em 1938, no sertão de Angicos (SE), e João optou por se fixar no Cariri.

No final das contas, seus pais terminaram por ficar mais tempo no Juazeiro, onde morreram, na década de 60, com uma diferença de dois meses e um dia do marido para a mulher, estando ambos sepultados no cemitério do Socorro.

Aos poucos, ele foi dominando o instrumento, autodidata que era. Seu primeiro baião de improviso foi com o cantador Bezerrinha e, de tão marcante, ele não esquece a data até hoje: 15 de agosto de 1939, nem os quinze mil réis que ganharam.

Cantou muito em “festa de santo”, ou renovação, que comemora, anualmente, a entronização do Coração de Jesus, um ritual forte no catolicismo popular.”Nunca fiquei liso, vivi 52 anos às custas da viola”, ele constata, e pode-se dizer que se saiu bem, tanto do ponto de vista da imagem que cristalizou, como do que amealhou.

Casou, em 1940, com Francisca Pereira Alexandre, e tiveram apenas uma filha, Matilde, que lhe deu dois netos (João Alexandre e Juliana) e uma bisneta (Ana Letícia). Ela era “cuidadosa” com o marido e “não muito ciumenta”.

A perda da mulher, ainda é muito dolorosa para ele, que gravou uma fita com uma elegia à companheira, intitulada “Um ninho de amor que se desfez”.

Relembra o passado, mostra seu Cd “Memórias de um poeta” gravado, domesticamente, pelo neto, e faz planos de publicar uma coletânea de poemas,- o impresso legitimando o oral -, cujos originais estão à espera de um patrocínio.

TRAJETÓRIA

João Alexandre relembra alguns dos grandes nomes da cantoria com quem pelejou: João Pereira, Expedito Passarinho, Severino Pinto, Lino Pedra Azul, Joaquim Vitorino, Amaro Bernardino, Antonio Aleluia, Zé Miguel, Antonio Marinho, e Vicente Landim, ao todo, mais de trezentos rivais.

Ele diz que um cantador aprende com o outro, no calor da hora, e enumera os romances que cantava, como “Coco Verde e Melancia”, “ O Mau Filho e o Bom Pai”, mas gostava mesmo era das pelejas. Não deixou folhetos impressos, como a maioria dos seus parceiros, que se moviam no campo da oralidade.

Ainda solteiro, passou seis meses em Fortaleza, para onde voltou outras vezes, e cantou com os grandes nomes da cantoria da capital, como Siqueira de Amorim, Alberto Porfírio, e o piauiense Domingos Fonseca.

Ele diz que “agüentava o chicote” e por isso nunca levou “pisa” de cantador.

O rival mais famoso foi mesmo o Patativa, com quem cantou durante quase dez anos. A afinidade foi tanta que João Alexandre chegou a comprar um terreno, e a se estabelecer na serra de Santana, onde o poeta morava.

PATATIVA - Caricatura de Arievaldo Viana


Dividindo versos com Patativa

O CANTADOR João Alexandre Sobrinho: em “Triste partida”, parceria reclamada com o poeta de Assaré

FRANCISCO SOUSA/ÁLBUM DE FAMÍLIA
Cantador novo que era, sua viola ficava de pé, na parede da entrada do Mercado de Assaré, na expectativa dos convites para apresentações.

Perto do parceiro e compadre (é padrinho de Afonso) ficava mais fácil arranjar cantorias nos sítios, e assim faziam pequenas viagens, sempre a cavalo, para Mombaça, Cedro, Iguatu, Campos Sales, Potengi, e Araripe.

Um episódio curioso é o do dia em que o violeiro boa pinta, já casado, se engraçou de uma moça que assistia à cantoria. Patativa, quando viu o “enxerimento”, delatou o parceiro: “A família desse João / é maior do que a minha / tem um filho caminhando / tem outro que engatinha / e eu soube que a mulher dele / ficou comendo galinha”, fazendo referência à dieta das mulheres paridas.

As últimas cantorias com o poeta de Assaré foram em 1958, e as controvérsias vieram por conta da toada “Triste Partida”, que Luiz Gonzaga ouviu no rádio, em um programa de violeiros de Cajazeiras (PB), e quis comprar, antes de gravá-la, em 1964.

João Alexandre reclama a autoria da música de “Triste Partida” e Patativa dizia que a composição era só dele. Depois de muita insistência, admitiu que o compadre “contribuiu” com a melodia, que levou para todo o país, na voga da canção de protesto, a denúncia de um “intelectual orgânico”, que ia fundo nos problemas da região, porque tinha vivências do que estava falando. A letra havia sido publicada no livro de estréia de Patativa, “Inspiração Nordestina”, em 1956, o que retira, qualquer influência da seca de 1958 sobre a composição. Seca braba aquela, que deu origem à Sudene, e aumentou o êxodo, agora não mais para a Amazônia, ou para São Paulo, mas para a construção de Brasília, a nova capital, inaugurada em 1960.

Depois desta disputa pela autoria, as relações entre eles nunca foram as mesmas. Deixaram de se visitar, apesar de Patativa vir com freqüência a Juazeiro, e de João Alexandre possuir um carro, e, ainda que tentassem, era impossível disfarçar as mágoas.

VOZ E VIOLA

Sua estréia no rádio foi marcada por uma visita que fez a Dom Vicente, então bispo do Crato, em companhia de Geraldo Menezes Barbosa. Cantou no Palácio, e o bispo gostou tanto que o convidou para se apresentar na Rádio Educadora, da diocese. Lá ele ficou dez anos, enfrentando Antonio Aleluia, Antonio Maracajá, e Zé Magalhães, dentre outros rivais.

A morte do Papa João XIII, o ideólogo da renovação da Igreja Católica, foi assim cantada por ele: “Com a morte do Papa Vinte e Três / enlutaram-se muitos corações / trouxe muita tristeza pras nações / esse golpe fatal que a morte fez”, de acordo com a “Antologia Ilustrada dos Cantadores”, de Francisco Linhares e Otacílio Batista, editada pela Imprensa Universitária, em 1976.

Em Juazeiro, João Alexandre cantou durante sete anos com Pedro Bandeira, que chegou a morar em sua casa, no início da carreira, com quem também se desentendeu, e ficaram vinte anos sem se falar, não por problemas de autoria, mas por questões financeiras.

Faziam dupla, nas apresentações ao vivo, e nos programas de rádio, onde a presença dos violeiros foi ganhando espaço, ao contrário das previsões apocalípticas que previam o fim da cantoria, com a chegada do transistor.

Ao todo, foram vinte anos na rádio Progresso, de Juazeiro do Norte, e quando saiu de lá deixou de cantar, é o que diz, ainda que participasse, eventualmente, dos programas de outros violeiros, como o de Sílvio Granjeiro, na rádio Vale do Cariri, também em Juazeiro.

Relembra o improviso feito para saudar o colega Geraldo Amâncio, que havia deixado o Cariri, em busca de espaços mais amplos: “Meu caro Geraldo Amâncio/como vai de Fortaleza?/aumentou mais o recurso/ou cresceu mais a pobreza?/melhorou da alegria/ou cresceu mais a tristeza?”.

Avalia que a maior parte dos cantadores “faz balaio”, preparando e decorando, antecipadamente, o que vai ser cantado, o que é falso, e abre mão da força do improviso. É exatamente na rapidez e agilidade do argumento, empunhado a palavra como uma arma, que a cantoria ganha importância, ritmo, e empolgação.

O “balaio” é a necrose de um processo da prevalência da voz, que vigora desde tempos imemoriais, acompanhada, na maioria das vezes, pela viola.

Considera Ivanildo Vilanova o maior cantador, dos que estão na ativa, vindo, em seguida, Geraldo Amâncio.

Também se refere a Moacir Laurentino, a Sebastião da Silva, e diz que Oliveira de Panelas faz “balaio”, prática que ele tanto abomina.

Em relação aos repentistas do Cariri, ele não ameniza o comentário ácido: “são violeiros de sopapo, meio lá e meio cá”.

Relembra fragmentos de improvisos que se perderam no tempo, como a toada de aboio que cantou numa vaquejada em Juazeiro: “Quem gosta de vaquejada / faz da maneira que eu faço / tanto pega boi com a mão / como pega boi de laço / e cada garrote que apanha / tem que deixar um pedaço, ô, ô.”
É um grande narrador de episódios, do tempo em que vendia cavalos, ouro de Juazeiro, e “lambe-lambe”, tirava retratos com a “mão no saco”.
Fez de tudo um pouco, mas sua grande contribuição foi dada à transmissão oral, e à riqueza do imaginário sertanejo, no ponteio da viola, manifestação fugaz, mesmo no tempo do registro e da reprodução técnica, porque é impossível captar a entonação, as nuances da voz emitida, e a performance, quando o corpo todo expressa.

Gilmar de Carvalho - Especial para o Caderno 3


* * *
NOTÍCIA - Hoje nosso blog chega aos 45 dias de atividades com a marca de quase 8 mil visitas! Obrigado a todos que visitaram e difundiram o blog ACORDA CORDEL.